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FALA DIRETOR com MARCELO ÁDAMS

O 4º Fala Diretor chegou! Dessa vez o diretor Marcelo Ádams fala sobre o espetáculo Nosso Estado de Sítio, do Coletivo UAU. Confira o que ele falou sobre a peça:

A graduação em Teatro: Licenciatura da Uergs (Universidade Estadual do Rio Grande do Sul), ofertada na cidade de Montenegro, traz em seu currículo duas disciplinas que intentam integrar os conhecimentos adquiridos pelos alunos e alunas até o momento em que são oferecidas no currículo: Oficina Montagem I e Oficina Montagem II, respectivamente pertencentes à grade do quinto e do sexto semestres. Disciplinas com carga horária elevada, 12 créditos cada uma, o que significa três encontros semanais de mais de 3h30min cada um, propõem a criação de um espetáculo teatral, no qual discentes atuam e o docente responsável dirige/orienta a encenação. Com ementa aberta o suficiente para permitir as mais variadas propostas estéticas, a tendência dominante nas ocasiões em que tais disciplinas são ministradas é, por parte de quem a coordena, exercer a escuta no momento em que se iniciam os trabalhos no semestre. Por escuta me refiro a estar aberto e atento não apenas às sugestões, desejos, sonhos de alunos e alunas, que prolificamente trazem suas ideias sobre o que se deveria encenar; mas também a escuta do mundo, do meio em que vivemos, dos assuntos, questionamentos, incertezas, medos, indignações, etc., que formam a base do trabalho em teatro. É para o mundo que precisamos olhar quando decidimos que devemos usar o teatro para falar sobre isso ou aquilo. Olhando para o mundo, olhamos para dentro de nós, e vice-versa: o mundo está em nós, e nós no mundo.


No primeiro semestre de 2018, o grupo envolvido com a disciplina Oficina Montagem I, ministrada pela professora Tatiana Cardoso, decidiu que trabalharia tendo por base o texto dramático Estado de sítio, escrito em 1948 pelo dramaturgo Albert Camus (1913-1960), francês nascido na Argélia. Em junho, ao final do semestre, foi apresentado o resultado, chamado pela equipe de “em processo”, pois surgiu a proposta, oriunda dos alunos, de dar continuidade à investigação cênica desenvolvida naqueles primeiros meses. Aceitei a proposição e me dispus, no semestre seguinte, a assumir a turma e continuar com o trabalho em processo, mas estabeleci uma condição: a de que eu tivesse liberdade total para modificar o que fôra até então criado e, mais do que isso, focar nos temas que eu percebia presentes no texto de Camus e que eu gostaria de relacionar, muito mais criticamente, com a era Bolsonaro que, naquele momento, começava a se materializar. Após esse acerto iniciamos o trabalho, e estou convicto de que o período em que erguemos o espetáculo Nosso Estado de Sítio, entre agosto e novembro de 2018, foi decisivo para o resultado que obtivemos: criávamos antes, durante e após o processo eleitoral que levou Bolsonaro à presidência do Brasil. Não poderíamos ter estímulo mais afiado para construir a crítica política e comportamental que encenamos.



Uma vez estendido o pano de fundo - os absurdos ideológicos advindos de apoiadores e do próprio Bolsonaro -, era preciso encontrar a melhor maneira de relacionar a fábula de Camus, na qual a passagem de um cometa pela cidade de Cádiz, na Espanha, traz a reboque a chegada da Peste e da Morte, ambas encarnadas em figuras antropomorfizadas, trazendo destruição, medo e perda de vidas. Minha opção foi a de radicalizar a encenação, no sentido mesmo de raiz: limar tudo que se configurava como excessos discursivos (por se tratar de um texto com 70 anos, era muito presente a importância dada por Camus à palavra) e substituir por imagens que, se nem sempre fiéis àquelas propostas pelo dramaturgo, surgiam como alternativas atualizadas para o espírito do século XXI, ao tratar de preconceito, intransigência e desgoverno.

Encontrar figura homóloga à Peste foi fácil: o ultraconservadorismo nosso contemporâneo se colou à perfeição à metáfora camusiana: que chega com um ímpeto de destruição, de terra arrasada, passando como tanque de guerra sobre a diversidade, a delicadeza da diferença e o direito de ser quem se é. Minha indicação era a de tornar os três longos atos da peça de Camus em uma bofetada de 40 minutos, sem pudor de contar a “história” de forma diversa de uma narrativa convencional. Ao invés de personagens, como propunha Camus, construímos figuras intercambiáveis entre atores e atrizes. A fluidez de gênero nessas figuras também foi uma marca: um ator podia atuar como a personagem feminina Vitória, assim como uma mulher podia atuar a personagem masculina Diogo.



Outra decisão foi a de investir na coralidade. Os coros predominam no espetáculo, dando volume à cena, eivada de corpos que se movem e se fazem ouvir: um coro que ora representa os opressores, ora os oprimidos. Também considero a cara do espetáculo as citações ao Brasil contemporâneo, antropofagizando falas, situações e imagens associadas à era Bolsonaro. Afinal, esse é o “nosso estado de sítio”, não mais apenas o de Camus.


O resultado que obtivemos nos animou a continuar, e recebemos importantes chancelas: em janeiro de 2019, o espetáculo Nosso Estado de Sítio foi selecionado e se apresentou no Itaú Cultural, na cidade de São Paulo, em uma convocatória chamada a_ponte- Cena do Teatro Universitário, que escolheu 14 trabalhos de todo o Brasil e tinha como foco o teatro universitário contemporâneo e suas formas de lidar com essa linguagem. Nosso espetáculo foi o único gaúcho a participar do evento.


Gostou? Então #partiuTEATRO


Os ingressos para assistir ao Nosso Estado de Sítio estão disponíveis aqui:

https://www.entreatosdivulga.com.br/nossoestadodesitio


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