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YERMA ou QUANTO TEMPO LEVA PARA TRANSBORDAR UM BALDE


A montagem de Yerma do Teatro Ateliê, dirigido por Gustavo Dientsmann, celebra a trajetória de 18 anos do grupo. Livremente inspirado na obra do dramaturgo espanhol Federico Garcia Lorca, o espetáculo investiga o universo poético e trágico presente no drama da mulher que não consegue realizar o desejo da maternidade. A história se passa no ambiente rural e pobre espanhol, do início do século XX, onde os arquétipos familiares seguem as tradições de um patriarcado tosco e repressivo, alheio às aspirações femininas.

Yerma casa-se com João, lavrador simples, com quem idealiza a vida matrimonial com os sonhos de terem filhos e viver uma vida harmoniosa. O tempo passa sem que o seu sonho de engravidar se realize. João se conforma com a ausência de filhos, mas Yerma se culpa e se atormenta com sua infertilidade. Imersa num cotidiano estreito e previsível, a chegada de um filho renovaria suas expectativas diante da vida e a colocaria em pé de igualdade diante das outras mulheres. Inconformada com seu destino, Yerma passa a questionar o marido que se aborrece com o seu desgosto. A relação do casal começa a se deteriorar, sobretudo porque Yerma costuma sair de casa para aliviar suas angústias longe do ambiente doméstico. O marido fica cada dia mais preocupado com o que os outros pensarão dela. A insatisfação de Yerma termina de forma radical num embate trágico com João.

Ambientada num espaço mítico onde Yerma é representada tanto pelas mulheres quanto pelos homens, os atores se revezam e dobram os personagens. A opção pelo coro salienta a sua obcessão pelo filho e pelos conselhos da velha pagã. A relação com os tonéis de água pontuam os desejos inconscientes e as pulsões vitais da personagem, ávida por gerar vida dentro de si. Um rio subterrâneo corre no imaginário de Yerma enquanto a realidade, árida, soterra os seus sonhos de maternidade. O cotidiano diário marcha indiferente ao seu crescente desapontamento. Ela não se entende mais com o marido e a vida a dois se torna um tormento. O recurso das gamelas com arroz traduz a ambiguidade da semente e do fruto. Ora mostra a secura do ventre, da terra, da falta de amor e incompreensão entre o casal, ora configura a potência da força feminina e da torrente de água, que cai abundante sobre a terra depois que Yerma mata João. Momento de beleza triunfal que estabelece o rito de passagem de Yerma diante do seu destino implacável. Esteticamente atraente, a montagem do Ateliê investe na cenografia e nos figurinos, com unidade cênica e despojamento. O recurso de espelhos reflete também a plateia que se torna o duplo social, onde estão imersos os personagens. A fumaça, usada com parcimônia, ajuda a criar o espaço mágico onde se desenrola a ação. Curiosamente, apesar do cuidado conceitual, da delicadeza estética e do elenco afinado a história não emociona como poderia. Por alguma razão, o controle formal represa a intensidade dramática que só alcança força no efeito final. Ainda assim, vale a pena assistir esse clássico na versão proposta pelo Ateliê.



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