top of page
Foto do escritorEntreAtos

Sambaracotu, crítica por Agora Crítica Teatral

Consuelo Vallandro, Porto Alegre (RS), 18/06/2022

Criação mais recente do Canoas Coletivo de Dança aprofunda pesquisa sobre a musicalidade folclórica brasileira e seu efeito sobre corpos urbanos


Um ode a Mario de Andrade


Sambaracotu, criação mais recente do Canoas Coletivo de Dança, bebeu na fonte do modernismo brasileiro, o qual comemora seu centenário este ano. O espetáculo foi concebido pela coreógrafa Carlota Albuquerque, o músico e ator Álvaro Rosa Costa e a preparadora musical e musicista Simone Rasslan, trio que trabalhou na produção do musical Dona Flor e seus Dois Maridos e teve então a ideia de aprofundar uma pesquisa sobre a musicalidade folclórica brasileira e seu efeito sobre corpos urbanos.

A ideia ganhou urgência de materializar-se com uma necessidade: a sobrevivência. O Canoas Coletivo de Dança, grupo com 7 anos de atuação, coordenado por Carlota, deixou de ser subsidiado pelo município de Canoas em 2017 e, como a maioria das companhias de dança em nosso país, passou a buscar em projetos para editais um meio para sobrevivência do grupo. A proposta, que em 2019 venceu o edital Ponto de Teatro, do Instituto Ling, ao estudar o samba e sua origem polêmica, encontrou a obra de Mario de Andrade, célebre pesquisador na área da antropologia da música nacional, grande agitador do movimento modernista tupiniquim e autor de Macunaíma (obra ícone da literatura modernista).

Assim como Mário, Álvaro Rosa Costa e Simone Rasslan buscaram mergulhar nas fontes da musicalidade de um Brasil profundo para compor a trilha. O elenco e Carlota, por sua vez, se enveredaram pelo caminho inverso do personagem Macunaíma: saíram da cidade grande para visitar essa musicalidade folclórica do interior e voltaram à urbe carregados de dialetos e linguagens que reverberam nos seus corpos. Assim, um nome foi cunhado por Carlota, à moda de Andrade, para designar esse cruzamento dos ritmos brasileiros samba, coco e maracatu com as danças urbanas, cuja influência norte-americana é muito forte: “Sambaracotu”.

O resultado desta miscelânea antropofágica se vê no palco: no meio de uma atmosfera de caos urbano, criada pela cenografia e pelo figurino, compostos por Gustavo Dienstmann com muito plástico, borracha e metal, oito bailarinos escalam, atiram e se jogam em câmaras de pneu de trator ou tocam cajons construídos para o elenco. A trilha sonora, que foi concebida coletivamente, traz uma massa de referências: além da obra de Mário de Andrade, músicas populares de domínio público e sons trazidos pelos intérpretes, bem como versos compostos pela bailarina e slammer Preta Mina e textos da escritora negra Eliane Marques, que foi aos ensaios e compôs poemas como Urubutinga especialmente para o espetáculo. No festival Palco Giratório, a apresentação teve ainda a participação especial de Alex Gonzaga, que trabalha com projetos sociais em Canoas.

O caráter frenético e envolvente da trilha cria uma atmosfera densa que compõe muito bem com o cenário e figurino distópicos e a projeção em video mapping concebida com colaboração da Carlota por Ricardo Vívian, a qual invade o palco e a plateia para atuar muitas vezes como a iluminação principal do espetáculo. O palco é frequentemente entrecortado por entradas e saídas dos bailarinos por entre as paredes laterais do teatro e a plateia. Na movimentação inquieta e voraz destes intérpretes, os movimentos entrecruzam referências: vão da raiz das danças urbanas a elementos de nosso folclore, sustentando um ritmo contagiante que algumas vezes remete às coreografias de Rodrigo Pederneiras, do grupo Corpo.

Em meio a toda essa movimentação incessante, as peças metálicas do cenário e os pneus, em experimentação contínua, se transformam em sofás, molduras, trampolins, brinquedos, camas. O mote principal do grupo foi o efeito do rebote: são corpos que imprimem força e a recebem de volta, remetendo à resistência e persistência do brasileiro, do artista que luta para sobreviver em meio ao caos, e se joga às cegas para se tornar o anti-herói dos dias de hoje. Apesar da arte ser ignorada e até rechaçada por alguns setores na sociedade, os artistas deste Coletivo seguem dançando, na esperança de ter um final mais feliz que o de Macunaíma, e saírem vivos para mais uma aventura. Como sentenciou Pina Bausch, que dancem, senão estamos perdidos!

Consuelo Vallandro há mais de dez anos vem expandindo seus horizontes e práticas artísticas no campo da arte transdisciplinar, envolvendo a dança contemporânea, o circo e a performance, sendo esta última foco de sua pesquisa de mestrado junto ao PPG-AC da UFRGS.


Esse texto foi originalmente publicado no site www.agoracriticateatral.com.br Acesse o site para mais conteúdos.

18 visualizações1 comentário

Commentaires

Les commentaires n'ont pas pu être chargés.
Il semble qu'un problème technique est survenu. Veuillez essayer de vous reconnecter ou d'actualiser la page.
bottom of page