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Foto do escritorEntreAtos

DAS CINZAS CORAÇÃO por Nora Prado



O espetáculo Das Cinzas Coração da Companhia Quimera Criações Artísticas, dirigido e interpretado por Jéferson Rachewsky e Valquíria Cardoso é puro deleite e entretenimento, garantido, para toda a família. Isso porque o espetáculo, inspirado nas comédias do cinema mudo de Buster Keaton, com toda a poética dos loucos anos vinte, se vale da simplicidade e despojamento numa narrativa direta e plena de significado. A música ao vivo, executada pelo excelente pianista Arthur de Faria, pontua a atmosfera cênica com ritmo e precisão, típicas do gênero cômico. Provoca riso e encantamento em crianças e adultos, sem distinção. A história da esposa dedicada, dona de casa exemplar, que vive o cotidiano monótono de arrumar a casa, cozinhar, lavar, faxinar e atender ao marido, trazendo-lhe o jornal e servindo de objeto sexual, lhe deixou fatigada, entediada e profundamente infeliz. Dentro desta redoma previsível, a crise do casamento é visível e transparece desde o início, quando o casal ainda está dormindo. A cenografia inventiva, de Alex Limberger, Diego Steffani e Valquíria Cardoso, que brinca ao deslocar o ponto de vista do espectador para o teto, como se vislumbrasse ambos dormindo lado a lado, acontece graças a ideia de posicionar a cama na vertical. Os atores agem como se estivessem em paralelo com o chão, efeito simples, mas que funciona perfeitamente criando a ilusão do cinema. A iluminação corrobora para o clima de sétima arte, projetando uma luz amarelada e um filtro que remete a sensação visual da película. Nasce o dia e, num piscar de olhos, a cama, rapidamente, se transforma em cozinha e área de serviço. De um lado, o fogão, as panelas e todos os utensílios da cozinha e do outro a pia para lavar roupa. Tudo em tons de cinza, branco e preto, assim como, os lindos figurinos, adereços e a maquilagem, se harmonizam numa unidade estética impecável. As tarefas domésticas da esposa, como varrer, fazer panquecas, cozinhar, lavar roupa, esfregar o chão, se constituem em situações divertidas para que a esposa, lindamente interpretada por Valquíria, ofereça inúmeras possibilidades para gags cômicas, plenas de timing e leveza. Com gestual limpo, preciso, e bem treinado os atores jogam os seus papéis com liberdade e desenvoltura. A estrutura cênica permite que a cozinha/cama se transforme em biombo, auxiliando nos números de perseguição e motes circenses. O sonho da esposa que se encontra com o anjo em contraponto com a realidade cruel com o marido resulta em embates plenos de vitalidade e humor. O final dessa tragicomédia faz jus aos anseios da mulher, que decide ser a protagonista da própria história.

Pastelão e lirismo se equilibram de modo justo nesta pequena joia teatral gaúcha. Espetáculo para figurar em qualquer festival nacional ou internacional, uma vez que a linguagem corporal comunica a história com sofisticada utilização de meios expressivos. Contemplado com o prêmio Funarte Caixa Carequinha de Estímulo ao Circo, esse trabalho merece temporada regular, para que o público aproveite o melhor que o teatro de qualidade oferece. Para eles, eu bato palmas e levanto!

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